COLUNA DO RICCHETTI – O Gerente da Esperança 6r501h

(Homenagem ao sãomanuelende eterno mestre do basquete brasileiro) 1j4x56

A história de um país também se escreve fora dos livros. Às vezes, ela se agacha em uma quadra, entre dribles e silêncios. Outras vezes, veste agasalho de treinador, segura uma prancheta e planta sonhos no coração de meninas que ousam sonhar com o impossível. E foi assim que Waldir Pagan Peres escreveu a sua.

Nascido em 1937, em São Manuel — esse solo fértil de almas grandes —, Waldir era o caçula de uma dúzia de irmãos “latões”, como ele dizia, entre sorrisos e saudades. Mas, ao contrário do que o apelido da caçulice poderia sugerir, ele cresceu gigante. Não em centímetros, mas em visão. Viu no basquete uma estrada para a transformação e fez dela o seu campo de batalha e poesia.

Era um misto raro de técnico e terapeuta, de comandante e conselheiro. Em 1971, suas jogadoras conquistaram o bronze no Mundial do Brasil e o ouro nos Jogos Pan-Americanos de Cali. Ele, com seus olhos atentos e palavras certeiras, guiava como quem segura uma lanterna no breu da dúvida. Nunca gritava para mandar, mas falava para despertar. Cada atleta era única aos seus olhos — Hortência, a estrela que ele ajudou a descobrir, era rainha, sim, mas nunca sozinha no trono. Ele fazia questão de valorizar cada jogadora como se fosse a peça decisiva de um tabuleiro coletivo.

Em 1994, no Mundial da Austrália, era o supervisor, o coração fora das quadras. No dia da final, espalhou cartolinas pelos corredores do hotel com frases motivacionais escritas à mão, como quem pinta fé em papel. “Juntos somos força! Unidos seremos potência!” — não era só lema. Era crença. Era Waldir.

Fora das quadras, era um homem de calopsitas e carpas. De silêncios pescados às margens do tempo. Tinha um aquário gigante e um ombro onde os arinhos pousavam sem medo — talvez porque sentissem que ali morava alguém que não queria aprisionar ninguém, nem mesmo a vida. Era o “Gerente”, como os amigos o apelidaram. Mas não de finanças ou de vaidades. Era o gerente das emoções. Sabia quando acalmar, quando cobrar, quando sorrir e quando deixar a lágrima vir.

Foi professor na USP, diretor da Secretaria de Esportes de São Paulo, marido da ginasta Nilda, pai, avô, amigo. Mas, acima de tudo, foi um construtor de confiança. Morreu em 8 de agosto de 2014, deixando um vazio nos ginásios e um exemplo eterno para quem acredita que o esporte também salva, ensina, cura.

Hoje, se alguma menina mira a cesta com coragem ou se algum menino acredita no próprio talento mesmo vindo do interior, é porque homens como Waldir aram por aqui — com seu agasalho verde e amarelo, seu olhar de estrategista e seu coração de avô.

E se existe mesmo uma quadra no céu — e eu gosto de acreditar que sim —, ela está mais iluminada. Lá estão Waldir Pagan Peres e Waldyr Boccardo, dois filhos de São Manuel, jogando juntos como se o tempo fosse apenas uma bola ao alto. Um com a prancheta de tática celestial, o outro com as mãos prontas para a bandeja perfeita. Os dois sorrindo, em paz, fazendo da eternidade um novo campeonato de sonhos.

E cada cesta deles acende aqui embaixo uma memória, um orgulho, uma saudade bonita.

José Luiz Ricchetti – 03/06/2025

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