COLUNA DO RICCHETTI – O Gigante que São Manuel esqueceu v57n

Nas manhãs claras de São Manuel, entre o cheiro do café coado e o silêncio antigo das calçadas, há histórias que o tempo insiste em guardar sob o pó da distração. Uma dessas histórias tem nome, sobrenome e voo alto: Waldyr Geraldo Boccardo. 14491w

Poucos, hoje, talvez saibam. Mas houve um menino, nascido em 1936, ali mesmo, entre as figueiras do jardim, o coreto e as missas dominicais, que ousou mirar mais alto do que a torre do Paço Municipal. Ele não quis ser apenas mais um entre os da terra. Quis ser jogador. Quis ser atleta. Quis ser gigante. E foi.

São Manuel o viu sair ainda jovem. Talvez não com aplausos, mas com aquela despedida silenciosa, como quem sabe que o mundo é largo demais para certas asas. E lá foi ele, buscar o seu destino em São José dos Campos, onde a bola laranja quicava com força e sonhos.

De lá, Waldyr pulou mais alto do que se esperava. Chamou a atenção de Marson, bronze em Londres. Vestiu as camisas pesadas do Vasco, do Flamengo, do Botafogo. E, como se não bastasse, vestiu a mais nobre de todas: a do Brasil.

Foi campeão mundial no Chile, em 1959. Bronze em Roma, nos Jogos Olímpicos de 1960. Orgulho nacional, nome gritado nas quadras, reverenciado nos jornais e lembrado por gerações que viram no basquete um caminho para vencer — dentro e fora das quadras.

Mas sua história, curiosamente, não ganhou grandes homenagens da cidade onde tudo começou. Em São Manuel, onde o tempo anda devagar, ainda não se ergueu um busto sequer em sua memória.

Talvez por isso esta crônica precise existir: para lembrar que Waldyr Boccardo não foi apenas um atleta. Foi um símbolo de superação. Um são-manuelense que não se acovardou diante das barreiras da vida — ele as enterrou, como quem enterra uma bola na cesta com a força de toda uma biografia.

Depois de encerrar sua carreira, tornou-se treinador. Seguiu ensinando. Formando. Inspirando. Nos ginásios do Brasil, sua voz ecoa firme, como ecoava o som da bola nas pranchetas de Ary Vidal, com quem dividiu o comando da seleção em 1978, no Mundial em que o Brasil brilhou novamente.

Mais tarde, como professor na Escola Americana do Rio, ele continuou a fazer aquilo que sempre soube: ensinar, formar, elevar. Porque é assim que os grandes permanecem — mesmo quando esquecidos, continuam gigantes.

Talvez São Manuel ainda não tenha entendido que os seus heróis também calçam tênis e suam nas quadras. Que sua história também se escreve em dribles, em saltos, em cestas. E que Waldyr Boccardo é um desses nomes que jamais deveriam se apagar.

Pois há homens que nascem para ser lembrança. Mas há outros, mais raros, que nascem para ser lenda.

E Waldyr, o menino que saiu da terra sem saber que já era semente, virou árvore de raízes fortes no esporte brasileiro, até que infelizmente nos deixou em 2018.

Que esta crônica possa ser, enfim, o abraço da cidade que um dia se esqueceu de agradecer.

José Luiz Ricchetti – 22/05/25

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