
Há uma placa na parede — cansada, mas ainda de pé — onde se lê “Vila Maria Thereza”. 5xh2m
Um nome bonito, de gente que sonhava com dignidade, mesmo em poucos metros quadrados.
Hoje, a viela parece calada. Calada não porque não tenha mais o que dizer, mas porque ninguém mais escuta. O tempo, esse velho tecelão de silêncios, ou costurando abandono entre os tijolos e os musgos que agora cobrem o chão. Mas eu escuto. E vejo.
Vejo o menino que descia correndo o corredor, com o joelho esfolado e uma bola, de capotão, furada debaixo do braço. Vejo a moça que sonhava em ser professora, copiando letras cursivas à luz da lâmpada pendurada por um fio nu, com aquela ‘pera’ na ponta. Vejo as mães com aventais e chinelos, esperando o feijão pegar pressão e o pai chegar do ‘caminhão de turma’, junto com os demais boais frias.
Entre a casa dos Pupo e a Casa Pia, essa vila foi fronteira de dois mundos: um de posses, outro de promessas e esperanças. O que a espremeu talvez não tenha sido o cimento das paredes ao lado, mas a vida que, com frequência cruel, cobra mais de quem já tem menos.
Quem morou ali? Quem ali nasceu, cresceu, chorou seus mortos e celebrou batizados com guaraná quente e bolo de fubá naquelas formas com um buraco no meio? Quem sabe a primeira bicicleta, o primeiro beijo, a primeira decepção amorosa não aconteceram ali, ao som de um rádio de válvulas, sintonizado na rádio PRI-6, prefixo da rádio São Manuel?
O tempo — esse que devora e esconde — esqueceu de apagar a placa. Ela resiste. Ela lembra.
Lembra que ali, por mais estreito que fosse o caminho, ava a vida.
Hoje, só o mato cresce. Só a ferrugem fala. Mas quem tem olhos de saudade ainda enxerga a vila viva — viva no coração de quem ainda lembra que o que somos se constrói nas vielas, e não nas avenidas.
Porque, às vezes, o que foi esquecido pelo mundo continua morando na memória de quem não esqueceu de sentir.
José Luiz Ricchetti