COLUNA DO RICCHETTI – A Voz dos fios 1923y

Na época em que as palavras viajavam por fios e não por fibra ótica, havia homens que ouviam o mundo no como do “ti-ti-ta” do Código Morse. Eram guardiões do invisível, mensageiros do silêncio. Entre eles, um nome resiste ao tempo como um telegrama jamais extraviado: Dary Bonome Avanzi. 5z7053

Nascido em São Manuel, Dary começou a trabalhar quando as locomotivas ainda soltavam vapor e os jornais chegavam pelo apito do trem. Era 1956, talvez 1957, e os olhos curiosos daquele menino encontraram o que poucos enxergam: o poder da comunicação silenciosa.

Promovido e transferido para Presidente Prudente, percebeu logo que o telégrafo não era só uma máquina – era ponte, era estrada, era a internet dos anos 50. E ele, Dary, o navegador dessa rede invisível. De lá partiam as notícias que moveriam o Brasil: a queda de ditadores, a eleição de presidentes, a morte de Papas, os ecos de guerras distantes. Tudo codificado e decodificado por homens como ele, que transformavam o mundo em sinais e o devolviam em palavras.

Foi chamado ao Palácio do Governo, serviu Laudo Natel, Maluf, Montoro. Serviu também a Michel Temer e Antônio Fleury quando a segurança era codificada em confiança. Em 1980 foi convocado para ser o telegrafista do trem do Papa João Paulo, em sua visita ao Brasil e mais tarde, em 2023 o Papa Franscisco reconheceu seu enorme trabalho em prol das comunicações. Este talvez tenha sido o único momento da história em que a fé chegou por ondas de rádio.

Mas Dary nunca se esqueceu da antiga estação. A sua estação de São Manuel, aonde o trem chegava entre batatas, querosene, cartas, filmes em latas redondas e muitas esperanças embaladas em papel de seda. Onde um dos seus ídolos, o ‘portador’ José Segala era mais que um ajudante – era um herói de costas curvadas e alma de aço, que ajudava a Maria Fumaça a respirar.

Na recente reinauguração da velha estação de São Manuel, foi o único daquele seu tempo a comparecer. Aquele que ainda escuta o som do tempo nos trens que já não am. Aquele que, ao invés de se lamentar, agradece. Que não pede o nome da estação para si, mas para o colega anônimo, o Sr. Segala, que virou símbolo de uma época em que trabalho era honra e carregar sacas de café era quase poesia.

Hoje, com mais de 80 anos, Dary ainda escuta o mundo. É radioamador. Conversa com gente do mundo inteiro sem sair de casa, porque para ele, bastam as ondas. O que mudou? Pouco. Os fios ainda vibram com a emoção das mensagens, mesmo que os meninos de hoje não saibam mais o que é um telegrama.

Dary, o esquecido por muitos, é lembrado por mim. Porque homens como ele não se repetem – se perpetuam. Porque os fios da história são tramados por mãos discretas. Porque um país que não ouve seus telegrafistas corre o risco de ficar surdo à própria memória.

Feliz Dia do Telegrafista, Dary. Você é a mensagem que chegou e chegou para ficar para sempre na história da nossa cidade.

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