
Era madrugada de Natal, e um barulho súbito na sala de visitas me arrancou do sono. Olhei para o relógio ao lado da cama; os ponteiros marcavam exatamente 4:40. Um arrepio percorreu minha espinha. Algo se movia na casa, quebrando a quietude da noite. 3h2968
Levantei-me devagar, os pés descalços tocando o chão frio. A escuridão envolvia a casa, e apenas uma tênue luz da lua filtrava-se pelas cortinas, lançando sombras esparsas. O coração batia acelerado, mas a curiosidade me impulsionava. Caminhei em silêncio até o topo da escada, de onde pude vislumbrar a sala de visitas. A árvore de Natal, com suas luzes coloridas, piscava suavemente, projetando reflexos cintilantes nas paredes.
Ainda assim, algo estava estranho. Entre as luzes, notei uma sombra que não pertencia a nenhum dos objetos decorativos. Uma figura pequena, indistinta, ajoelhava-se ao pé da árvore, entre os pacotes de presentes que esperavam os amigos e suas crianças. Um pensamento desconcertante me ocorreu: seria um ladrão? Mas rapidamente descartei essa ideia; nosso condomínio era seguro, e ali, assaltos eram praticamente inexistentes.
Desci os primeiros degraus com cautela, tentando não fazer barulho. A figura não parecia ameaçadora. Pelo contrário, havia algo de inocente na maneira como se movia, quase como se estivesse reverenciando os presentes ao invés de saqueá-los. A cada o que eu dava, a imagem ficava mais clara: era uma criança. Pequena, frágil, vestida apenas com um pano branco que envolvia seu corpo como uma túnica.
Parei por um momento, esfregando os olhos e os óculos com a barra do pijama. Será que estava sonhando? Quem seria essa criança? Uma criança de rua, talvez, perdida e faminta, em busca de abrigo e comida? Mas como teria entrado na casa? Minha mente estava um turbilhão de perguntas sem resposta.
Continuei a descer, o medo se misturando à compaixão. Se fosse uma criança necessitada, eu a ajudaria. Poderia oferecer roupas, comida, talvez um presente para alegrar seu Natal. Mas conforme me aproximava, uma estranha sensação de paz me envolvia. Algo naquela criança parecia diferente, quase sobrenatural.
A criança se mexeu novamente, e então notei que ela segurava algo nas mãos. Era um pequeno pedaço de papel, amarelado e desgastado. Com delicadeza, ela o colocou entre os presentes, no meio dos pacotes embrulhados com esmero. Meu coração acelerou, e os pensamentos, antes focados na curiosidade, começaram a tomar outra direção. E se… não fosse apenas uma criança? E se fosse algo mais? Um anjo, talvez, trazendo uma mensagem divina no dia em que celebramos o nascimento de Cristo?
Finalmente, alcancei o último degrau. A criança, que até então estava bem à minha frente, desapareceu como se fosse uma miragem. Olhei ao redor, desesperado para encontrá-la, mas não havia sinal dela em lugar algum. A sala estava vazia, exceto pelos presentes sob a árvore.
Aproximei-me dos pacotes e, com mãos trêmulas, comecei a mexer neles, tentando encontrar qualquer pista daquela aparição. Foi então que meus dedos tocaram algo diferente, um pequeno rolo de papel. Era o mesmo que a criança havia deixado. O papel estava enrolado como um pergaminho antigo, amarrado com uma fita vermelha, tão simples quanto elegante. O laço era bonito, mas o material estava envelhecido, como se tivesse atravessado séculos.
Com cuidado, desfiz o laço e desenrolei o pergaminho. As palavras ali escritas pareciam ecoar diretamente no meu coração, como se fossem ditadas por uma voz suave, cheia de amor e compreensão. Enquanto lia, senti meus olhos se encherem de lágrimas. Aquele pedaço de papel, tão pequeno e frágil, carregava uma mensagem poderosa, a verdadeira essência do Natal:
“Filhos queridos,
Neste dia em que aqui na Terra, se comemora, mais uma vez, o nascimento de Jesus Cristo, o meu desejo é que possam ter sempre os caminhos iluminados, na busca do melhor para cada um de vocês.
Que a cada novo dia, vocês possam ser pessoas melhores, exemplos e referências para todos aqueles irmãos menos evoluídos que dividem este mesmo planeta.
Que na busca do sustento de cada dia, o façam sempre dentro das leis do amor e da responsabilidade.
Que suas ações sejam sempre lapidadas, dia a dia, na busca da perfeição e de uma evolução maior no plano espiritual.
Que os anjos de guarda possam estar sempre ao lado de vocês, acompanhando cada o, cada necessária luta diária e que todos os dias, a nossa mãe Maria seja sempre a referência maior de amor e humildade.
Que Deus nosso Pai os fortaleça sempre, na adversidade, para que encontrem o melhor caminho, para uma vida plena de retidão, de amor ao próximo e de perdão.
Que vocês mantenham vivo, dentro de vocês, aquele espírito inocente de criança, que por simples intuição, nos dá sempre o melhor exemplo do que é o amor.
Que vocês possam, neste mundo de provas e expiações, buscar na inteligência dos seus atos e ações, o aperfeiçoamento moral e intelectual, sem deixar de respeitar os limites, de cada um dos demais irmãos.
Que a luz divina, esteja sempre presente na vida de vocês, iluminando os seus caminhos e todas as decisões, que precisam e devem ser tomadas.
Que vocês saibam valorizar, todos os dias, aqueles entes queridos e os amigos, que por amor e afinidade, nos ladeiam na estrada e que sempre nos emprestam os ombros para nos ajudar a vencer os caminhos desta difícil jornada.
Que vocês saibam reconhecer e aprender com cada erro cometido e assim torná-los lições, mas tão bem assimiladas, que numa próxima oportunidade, nem mesmo consigam perceber que desta vez acertaram.
Que possam viver todos os dias que lhes restam, desta agem terrena, tendo sempre a certeza, que independentemente de cada erro ou de cada acerto cometido, encontrarão sempre o perdão e a misericórdia do nosso Deus Pai.
Com amor, Menino Deus”
Ao terminar de ler, fechei os olhos, permitindo que as lágrimas caíssem livremente. Não importava mais se tudo aquilo era fruto de um sonho ou da realidade. A mensagem do Menino Deus ecoava em minha alma, preenchendo o vazio com uma sensação de paz e amor. O que antes parecia apenas uma noite comum de Natal havia se transformado em uma experiência transcendental, algo que eu levaria para sempre em meu coração.
Com o pergaminho ainda nas mãos, me sentei no chão da sala, ao lado da árvore de Natal. Ali, envolto pelas luzes que piscavam suavemente, senti a presença de algo maior, algo que transcende a compreensão humana. O Menino Deus havia estado ali, não apenas como uma visão, mas como uma força que nos guia, nos ilumina, e nos lembra, de forma simples e poderosa, do que realmente importa.
José Luiz Ricchetti